quarta-feira, 16 de maio de 2012

Texto 7º ano.



Mocinho
   
                                                                                         Carlos Drummond de Andrade

      Os garotos estavam indóceis, à espera do grande mocinho norteamericano, de passagem pelo Rio, que prometera pessoalmente ir à televisão. Na calçada, os brinquedos não engrenavam, ninguém tinha alma  para  os  jogos  de  todo  dia. A proximidade  do  herói  os  punha nervosos, e pediam a hora a quem passava, sentindo que o tempo “trabalhava de bandido”, em sua lentidão.
      À hora anunciada, em casa de Alfredinho, sentaram-se no chão, diante do aparelho, e toca a suportar anúncio de sabão, de loteamento, de biscoito ...
     Afinal, o locutor anunciou a chegada do cavaleiro famoso, ídolo das crianças do mundo inteiro. E o ídolo era simpático, falava inglês, mas tinha outro cavalheiro ao lado para traduzir, só que viera a pé e foi se sentando, cansado talvez de cavalgar por montes e vales do Oeste,
e de tanta luta contra os maus.
     Sentou-se  e  deram-lhe  sorvete,  que  o  herói  ingeriu  muito delicadamente,  surpreendendo  a  todos, “cow-boys”  amadores,  que lambem doze gelados por dia, mas nunca seriam capazes de imaginar que um vaqueiro “legal” gostasse de sorvete.
     E  o  locutor  foi  conversando  com  ele.  É  verdade  que  possuía quatrocentos revólveres? Sim, possuía quatrocentos revólveres para o gasto. A notícia agradou em cheio ao auditório, e Kléber perguntou como é que ele podia manejá-los todos de uma só vez, mas Gaúcho mandou-lhe calar a boca. O locutor pediu licença ao herói para mostrar sua roupa aos telespectadores. E o herói virou figurino.
     Mauricinho,  estirado  no  tapete,  quis  perguntar  pelo  Gatilho,  o famoso cavalo do herói e parte integrante do mito, porém os outros explicaram-lhe  que  não  adianta  perguntar  de  casa.  Por  que  não aparecia Gatilho? Mocinho sem cavalo é mocinho? Mocinho sentado,
tomando sorvete, é mocinho? E os quatrocentos revólveres? Por que ele não dava ao menos um tiro, só de farra?
      O programa acabou, os garotos foram saindo sem entusiasmo. Naquele horário estavam habituados a ver filmes do herói, em que ele desenvolve bravura, astúcia  e  generosidade exemplares.  Ali,encontravam apenas um senhor meio maduro, folheado a ouro e prata e refrescando-se com gelados.
      Mauricinho, o mais moço, resumiu a impressão geral:
     — Não gosto de mocinho, gosto é de filme de mocinho!





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