Mocinho
Carlos Drummond de Andrade
Os garotos estavam indóceis, à espera do
grande mocinho norteamericano, de passagem pelo Rio, que prometera pessoalmente
ir à televisão. Na calçada, os brinquedos não engrenavam, ninguém tinha
alma para os
jogos de todo
dia. A proximidade do herói
os punha nervosos, e pediam a
hora a quem passava, sentindo que o tempo “trabalhava de bandido”, em sua
lentidão.
À hora anunciada, em casa de Alfredinho,
sentaram-se no chão, diante do aparelho, e toca a suportar anúncio de sabão, de
loteamento, de biscoito ...
Afinal, o locutor anunciou a chegada do
cavaleiro famoso, ídolo das crianças do mundo inteiro. E o ídolo era simpático,
falava inglês, mas tinha outro cavalheiro ao lado para traduzir, só que viera a
pé e foi se sentando, cansado talvez de cavalgar por montes e vales do Oeste,
e de tanta
luta contra os maus.
Sentou-se
e deram-lhe sorvete,
que o herói
ingeriu muito delicadamente, surpreendendo
a todos, “cow-boys” amadores,
que lambem doze gelados por dia, mas nunca seriam capazes de imaginar
que um vaqueiro “legal” gostasse de sorvete.
E
o locutor foi
conversando com ele.
É verdade que
possuía quatrocentos revólveres? Sim, possuía quatrocentos revólveres
para o gasto. A notícia agradou em cheio ao auditório, e Kléber perguntou como
é que ele podia manejá-los todos de uma só vez, mas Gaúcho mandou-lhe calar a
boca. O locutor pediu licença ao herói para mostrar sua roupa aos
telespectadores. E o herói virou figurino.
Mauricinho, estirado
no tapete, quis
perguntar pelo Gatilho,
o famoso cavalo do herói e parte integrante do mito, porém os outros
explicaram-lhe que não
adianta perguntar de
casa. Por que
não aparecia Gatilho? Mocinho sem cavalo é mocinho? Mocinho sentado,
tomando
sorvete, é mocinho? E os quatrocentos revólveres? Por que ele não dava ao menos
um tiro, só de farra?
O programa acabou, os garotos foram
saindo sem entusiasmo. Naquele horário estavam habituados a ver filmes do
herói, em que ele desenvolve bravura, astúcia
e generosidade exemplares. Ali,encontravam apenas um senhor meio maduro,
folheado a ouro e prata e refrescando-se com gelados.
Mauricinho, o mais moço, resumiu a
impressão geral:
— Não gosto de mocinho, gosto é de filme
de mocinho!
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